Nenhuma campeã da Ignis chegou ao CBLOL. Por quê?

O CBLOL é, de acordo com seu próprio regulamento, uma liga mista. Porém, 12 anos após sua criação, o campeonato brasileiro de League of Legends — prestes a se tornar conferência Sul da liga das Américas — permanece exclusivamente masculino. O ano de 2021 foi um divisor de águas. Cinco mulheres foram contratadas para disputar o campeonato. Era a primeira vez que tantas mulheres teriam essa oportunidade. Elas representavam 4,13% de todos os jogadores escalados oficialmente. As contratações ocorreram 6 anos após a escalação da primeira jogadora mulher do CBLOL, Geovana “Revy” Moda, suporte reserva da KaBuM! Black em 2015.

Naquela época, ainda não se sabia se alguma delas disputaria o campeonato principal —  até o fim do ano de 2021, elas disputaram apenas jogos no CBLOL Academy, campeonato de desenvolvimento para o CBLOL. Segundo o Leaguepedia, apenas uma das cinco contratadas de 2021, Tainá “Yatsu” dos Santos, não está aposentada. Em 2022, como estratégia para promover a inclusão de jogadoras e jogadores não-binários, a Riot Games criou a Ignis Cup. Até 2024, nenhuma das jogadoras campeãs do campeonato inclusivo disputou o CBLOL ou o CBLOL Academy.


Luna: “Quando eu for jogar, eu vou ter o meu espaço.”

Giovana "Luna" Lunardeli na final da Ignis Cup 2024.1
Giovana “Luna” Lunardeli na final da Ignis Cup 2024.1 / Reprodução: Riot Games (2024)

Giovana “Luna” Lunardeli, tricampeã da Ignis Cup e ex-participante do Gilette Ult, foi escalada pela paiN Gaming para disputar o CBLOL Academy. A decisão ocorreu após a dissolução da paiN Ignis, equipe tricampeã do circuito inclusivo. Conhecida como a “tradicional”, a paiN é uma das organizações de esports mais antigas do Brasil.

“Desde o começo, o meu maior sonho é jogar o CBLOL. Ser a primeira mulher a jogar o CBLOL, né”, declarou Luna. Hoje, aos 20 anos, ela disputou todas as finais da Ignis Cup e conquistou três troféus. Sobre a falta de transferência da Ignis para o CBLOL, Luna contou sentir um certo “comodismo” por parte das jogadoras. “Correr atrás, assim, fazer por onde. Então, tipo, eu sinto que faltava um pouco disso para o cenário em si evoluir em conjunto”.

“Com certeza tem um interesse, tem uma vontade, mas, querendo ou não, é como se você tivesse que se jogar na selva, na jaula dos leões”, reflete. Luna contou que já passou por algumas experiências comuns a outras jogadoras. Como exemplos, mencionou já ter recebido ataques misóginos e já jogou com nome neutro para evitar preconceito em jogo.


Ida para o CBLOL Academy

Desde 2021, mulheres fizeram aparições rápidas e esporádicas no principal campeonato de League of Legends do país. Bárbara “Jime” Prado, campeã da segunda temporada do Gillete ULT, ex-atiradora da Red Canids e atual streamer do Ilha das Lendas, por exemplo, foi contratada pela equipe por um ano para disputar apenas um jogo no CBLOL Academy.

Consciente do tratamento dispensado às mulheres que jogaram antes dela, Luna fala sobre a escalação para o Academy:

“Claro que a gente vê o que acontece com o cenário com as garotas que jogaram Academy. E, tipo, você vê que não foi uma coisa muito bem planejada, muito bem gerida.”, e adiciona: “A gente fica brincando aqui: ‘ah, a gente vai te colocar para jogar um jogo para você ter essa estreia’. Eu falo: ‘não, quando eu for para jogar, eu vou ter o meu espaço.’”

Ela acrescentou que sente, sim, uma disparidade técnica grande entre o próprio circuito Academy e a Ignis Cup. “O suporte que a Ignis tem é muito menor do que os times do Academy”, reforça.


Seiju: “A disparidade técnica que existe entre os dois campeonatos é algo que está muito mais além, é uma questão muito multifatorial”

Hágata "Seiju" Miranda na final da Ignis Cup 2023.2
Hágata “Seiju” Miranda na final da Ignis Cup 2023.2 / Reprodução: Riot Games (2023)

Hágata “Seiju” Miranda, campeã da Ignis Cup na segunda etapa de 2023, está em busca de novas oportunidades no circuito inclusivo. Aos 19 anos, já representou a paiN Gaming (quando foi campeã, em 2023.2) e a Geração Estrutura (GE), na primeira etapa de 2024. Como mulher trans, Seiju explica que a Ignis lhe deu uma oportunidade decente de competir.

Para ela, a Riot Games, desenvolvedora do LoL e organizadora da Ignis, precisa mudar algumas questões de regulamento para tornar o campeonato mais atraente para grandes organizações de esports. Até o momento, apenas a paiN Gaming e a Vivo Keyd Stars, dentre as franquias do CBLOL, apresentaram projetos de equipes inclusivas. Ela mencionou a falta de juízes durante na sala durante o campeonato qualificatório para a Ignis, a Goddess Cup. “Isso coloca em risco a integridade competitiva do campeonato, sabe? Um qualify não deveria ser tão menosprezado desse jeito.”

“Acho que a solução é realmente construir um campeonato de uma forma que as orgs maiores tenham interesse de entrar e não é muito bem isso que a gente tá vendo.” opina Seiju, “Quanto mais orgs grandes entrarem, mais o cenário vai se profissionalizar e maior vai ser o nível que as atletas vão ter, no geral”.


}Comunidade

Seiju também acredita que a pressão da comunidade exerce um papel impactante. De acordo com ela, as jogadoras da Ignis são alvos frequentes de agressões nas mídias sociais e até mesmo em jogo. “Eu acho que a disparidade técnica que existe entre os dois campeonatos é algo que está muito mais além, é uma questão muito multifatorial”, diz ela, “não é algo incomum se achar a gente te xingando porque você é jogadora da Ignis”.

“Da própria comunidade dentro do jogo, existe uma pressão muito esquisita, justamente porque a imagem do campeonato e do cenário é defasada de um certo jeito. É como se todas as pessoas que estivessem no Ignis fossem pessoas que estivessem tentando fingir ser pessoas que não são para jogarem um campeonato e ganharem dinheiro. E não é assim. Acho que é uma coisa que não podia estar mais distante da realidade.”

Sobre uma possível ida para o Academy, Seiju destacou as possíveis dificuldades que as meninas encontram no caminho: “eu pretendo continuar no Ignis, pelo menos por hora. Eu ainda pessoalmente não acho que eu tenho nível para jogar o Academy”, afirma e destaca que “quando uma jogadora do Ignis subir para a Academy, a jogadora do Ignis tem que estar realmente muito bem preparada, porque senão ela vai ser feita de chacota por causa da comunidade. Isso é algo que todo mundo no Ignis sabe.”


Iniciativas de inclusão: o ReveLAH Casters.

Maria Julia "Fogueta" Junqueira e Layze "Lahgolas" Brandão, idealizadoras do ReveLAH Casters e casters da Riot Games
Maria Julia “Fogueta” Junqueira e Layze “Lahgolas” Brandão, idealizadoras do ReveLAH Casters e casters da Riot Games / Reprodução: Riot Games (2023)

O ReveLAH Casters é um projeto voltado, majoritariamente, para o desenvolvimento de talentos femininos (cis e trans) e não-binários para atuação no cenário competitivo de LoL. Idealizado por Layze “Lahgolas” Brandão e Maria Julia “Fogueta” Junqueira, hoje o projeto é gerenciado principalmente por Gabrielle “Warmony” Araujo e Geovanna “Geo” Lima.

A community manager Geo, vencedora do prêmio Unknown Legends (organizado pela Riot Games) ao lado de Warmony em 2023, explica: “O ReveLAH atualmente é um projeto que tem como objetivo desenvolver, capacitar e profissionalizar mulheres, pessoas trans e não-binários que querem seguir uma carreira nos esports. Independente se é casting [narração e comentários], se a pessoa quer ser apresentadora, entrevistadora, jogadora, se quer estar no meio da staff dos times… é um lugar bem amplo”. No início, em 2020, o ReveLAH contava com 50 participantes. “Atualmente, a gente tá numa faixa de 80 meninas no projeto”, destaca Geo.

O projeto possui parceria com a Riot Games desde 2022 e conseguiu os direitos de transmissão (costreaming) da Ignis Cup, CBLOL e CBLOL Academy em 2024. No ano passado, de acordo com ela, as revelers (participantes do ReveLAH Casters) tiveram a oportunidade de participar de diversos workshops organizados pela Riot no mês de junho. Sobre o cenário inclusivo, ela afirma: “A única coisa que a gente vê que falta mesmo é um incentivo das orgs [organizações]”.


Falta de incentivo

“A gente sente falta de mais incentivo, sabe? Porque, pelo menos ao meu ver, seria muito interessante se a gente tivesse um time de Ignis de cada org igual tem do Academy, por exemplo.” defende. “Porque o Academy e o Ignis, falando de uma maneira bem, assim, pequena, eles têm o mesmo objetivo, né? Que é fazer com que as jogadoras cresçam, se desenvolvam também, fora a parte da inclusão e tal. Mas assim, deveria ser assim, né? Mas, infelizmente, ainda não é. Então, falta um pouquinho para a gente chegar no ideal.”

“Era para ser proporcional. Entra time novo, vem mais inclusão. Mas não tá acontecendo isso”.

Ela também relatou que as jogadoras, por muitas vezes, temem tentar competir no campeonato misto. “Acontece muito, né, de você ser uma mulher que quer jogar, sofrer algum tipo de preconceito, algum tipo de exclusão e você acaba ficando meio presa a esse passado, com muito medo de acontecer de novo.”


Futuro

A segunda etapa da Ignis Cup ainda não tem data definida. As novas formações de jogadoras que disputarão o campeonato também não foram reveladas. No dia 22 de junho de 2024, Leandrinn tornou-se a primeira pessoa a participar tanto da Ignis Cup quanto do CBLOL. Substituiu Micao na posição de AD Carry da Liberty Esports.

Luna e Allexandra “Nallari” Aguiar seguem relacionadas como possibilidades para a equipe Academy da paiN Gaming. Juny “juny” Stoupa, Leticia “Rahkys” Soragni e Luci “Vidal” Vidal, todas ex-paiN Gaming afetadas pelo “pause” da equipe inclusiva e campeãs da primeira etapa da Ignis em 2024, seguem sem futuro definido para a próxima etapa do campeonato inclusivo.

Sobre o futuro da Ignis Cup, Hágata “Seiju” Miranda concluiu: “Eu espero que o nosso cenário possa se desenvolver muito, apesar de todos os problemas que a gente sempre teve e que possivelmente a gente vai continuar tendo.”

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